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Banhos matinais

Alguns de vocês, meus leitores, sabem que tenho uma pequenina horta na casa velha onde moro. Até falo das verduras, que nela vicejam, no meu primeiro livro infantil.

Tenho por hábito, adquirido por observação junto ao meu tio, que aqui viveu por mais de 50 anos, e nessa mesma horta plantava algo em torno de uns 56 pés de couve, molhar as verduras (poucas) que tenho na hortinha atualmente, logo cedo, após alimentar meus quinze gatos e, algumas vezes, antes mesmo de tomar meu café da manhã, dependendo da estação do ano, que é para evitar que o sol já tenha atingido parte do canteiro maior, exatamente aquele onde tenho atualmente meus pés de couve e no qual, também, sempre renascem os espinafres; mais recentemente, surgiram pequenos pés de almeirão, pois o pequenino pé, que recolhi no passeio da rua perpendicular àquela em que eu moro e na qual a minha começa, trouxe para minha horta, replantei e, quando ficou mais velho, pendoou e deu sementes, as quais soprei fortemente, espalhando-as no espaço em que a terra é fértil, bem adubada há décadas pelo antigo morador do lar onde vivo.

É assim, então que, todas as manhãs, exceto no período chuvoso, ali estou eu com a mangueira esguichando água tratada para deixar as verduras bem molhadas. Daí que, de uns tempos pra cá, comecei a receber um pequenino visitante, que se deleita com os esguichos mais fininhos e, por vezes, apenas com aquela nuvenzinha de água que o vento carrega. É um beija-flor. Melhor e me corrigindo: vêm ter aqui para os seus banhos matinais, alguns beija-flores. E digo que é mais de um, com segurança de não estar errando, porque já flagrei três deles, sendo que dois eram brigões e se perseguiram e saíram do meu campo de visão, restando para seu banho matinal apenas o de cauda mais longa, o qual faz com que eu me distraia a ponto de encharcar alguns pontos da horta.

Verdadeiro balé é o que se me apresenta aos olhos, pois a delicada ave é rápida, leve e ágil no seu vai-e-vem; após ficar por segundos sob a água mais fininha, voa rápida para um fio ou um galhinho da goiabeira e, nesse ponto de apoio, espana as penas rapidamente, mas apenas o suficiente para se dar conta de que a água ainda está ali, no seu campo de visão, para o seu banho matinal. E assim, retorna e se espana em pleno voo e sob a nuvem de gotículas. Depois emite uns trinados agudos, como se estivesse me agradecendo.

Meu temor é quando a ave fica muito próxima ao piso da horta, pois meus gatos a espreitam e só não dão o bote, porque o medo da água é maior do que o instinto de caçadores, sobretudo as fêmeas que ficam por ali à espera de uma oportunidade de abater a avezinha, desde que não se molhem.

Eu tento evitar, às vezes, molhar na direção dos pés de mexerica, que ficam perto do ora-pro-nobis trepadeira, mas o beija-flor retorna tão rapidamente, que não me resta outra alternativa a não ser seguir fornecendo a água fria e fresca para a ave higienizar suas penas delicadas, limpando delas qualquer resíduo de teia de aranha ou de pólen, que ali esteja grudado, devido à frequência dessas pequeninas e delicadas aves, em espaço que é pleno dessas coisas.

O banho segue por várias investidas do colibri no jato fininho, com saídas rápidas, num ir e vir que parece que não terá fim, enquanto a terra sob esse bailado-banho vai se encharcando, até que a pequenina ave meio que me olha de ladinho, dá mais um trinado bem fininho e voa para longe, deixando-me com o gostinho de trabalho matinal cumprido para além do ato maquinal de molhar a horta, sobretudo pelo atendimento de um momento de lazer transformado em mais um dos inúmeros banhos matinais que é sempre protagonizado por algum beija-flor que visita constantemente o espaço da minha casa velha. Esta, talvez, no mundo contemporâneo, um dos poucos redutos em que essa pequenina ave ainda possa se dar ao desfrute de ter um esguicho fininho de água fria e farta, enquanto alguém se preocupa em não perturbar seu hábito higiênico tão simpático e agradável de se apreciar.

Que venham muitos outros beija-flores e que bailem se banhando sob as minhas vistas e sob minha proteção, todas as manhãs em que eu puder estar molhando minha hortinha e cuidando para que não sejam predados por meus gatinhos.

MoBa NePe Zinid – 04 out. 2025.