O primeiro texto que me levou às lágrimas
Como alguns devem se lembrar, pois já contei aqui, comecei a ler aos 5 anos. Depois disso, lia praticamente tudo que me passava diante dos olhos e, inicialmente, o que me era permitido ler, depois o que me obrigavam a ler e, quando pude, o que queria realmente ler.
Nesse universo leitor, o primeiro texto que me levou às lágrimas foi exatamente um pequeno trecho de “O Rouxinol e a Rosa”, de Oscar Wilde, traduzido do inglês. E foi no espaço escolar, ainda bem jovenzinha. O excerto trazido no livro didático de língua portuguesa focou exatamente o momento em que o espinho transpassa o coraçãozinho da ave e, por fim, a rosa vermelha tão desejada é concluída.
Mas a releitura, sobretudo quando a realizamos na maturidade leitora, alcançada por muitos anos de exposição à arte da escrita alheia, nos surpreende e nos traz novas lágrimas aos olhos, como aconteceu comigo no dia em que reli especificamente esse texto de Wilde, que me veio à mente, não pelo nome do autor, pois dele eu não me lembrava; apenas da passagem que faz referência à morte da avezinha cantando para realizar um desejo alheio em cumprimento àquilo que entendia como sendo o verdadeiro amor, essa sim, ainda me doía no peito e, na releitura, voltou a doer.
E foi devido a essa vontade irresistível de reler o texto em questão que o pesquisei na internet (ela tem grandes serventias para nós, pesquisadores) e o localizei. Feliz por tê-lo encontrado, prontamente baixei o PDF (é de domínio público) e iniciei a releitura.
Muitas foram as surpresas, pois o final me pareceu inédito, pois dele não me recordava; sinal quase certo de que ele não integrara o excerto lido lá na minha infância. E o mais interessante, foi sentir novamente as lágrimas escorrerem-me no rosto na mesma passagem que tanto me sensibilizara naquela primeira leitura feita há tantos e tantos anos.
Quem me conhece pode associar minhas lágrimas ao período de final de ano, o qual me traz lembranças dos natalícios de pessoas queridas que já não mais se encontram no plano material. Não nego ficar mais sensibilizada “por dá cá aquela palha”, mas o fato foi que, de fato, a morte do rouxinol cantando para que a rosa vermelha pudesse ser encontrada pelo estudante e, assim, este atender à exigência da amada, tocou-me profundamente uma vez mais. É o artista escrevendo em nossa alma.
A leitora crítica também entrou imediatamente em cena, pois me vi questionando o porquê de aquele livro didático de antanho não ter trazido na íntegra o texto, pois isso certamente suscitaria nos infantes, entre os quais eu me encontrava à época, lembranças que reverberariam futuramente. A discussão sobre a alma humana pode até ser filosófica, entretanto, ouvir um(a) docente falando sobre as atitudes da jovem personagem pela qual se enamorara o estudante, bem como sensibilizando aos incipientes leitores, que éramos, para atitudes reprováveis em termos inclusive éticos dessa personagem, poderia (creio eu) formar seres humanos melhores.
Devo confessar também que, para além das lágrimas de dor, em face da dor alheia (a morte da avezinha tão empática), algo mais mexeu profundamente comigo ao compreender, no desfecho da história, que os seres humanos podem ser de fato muito mesquinhos e avaros tal qual a jovem amada pelo estudante, a qual prontamente desprezou-o e à flor que ele lhe ofertava, símbolo de um enorme sacrifício desconhecido por ela. A jovem, cujo brilho das jóias a ofuscava, representa, a meu ver, a típica atitude que é fonte de muitas desavenças entre amantes. Vale ressaltar que, igualmente, o jovem enamorado despreza a rosa vermelha, relegando-a à sarjeta, como se, com seu gesto, pudesse atingir à agora ex-amada.
Todas essas atitudes, atreladas aos humanos e em contextos os mais diversos, fizeram-me melancólica na véspera da data do natalício daquele que foi meu pai e próxima alguns dias apenas da data do nascimento de minha mãe. Não bastasse, aproxima-se o Natal e, com ele, os sentimentos se misturam e novas lágrimas me vêm aos olhos.
Deixe-me buscar logo um texto que me salve da melancolia e me faça sorrir. Aí reside a magia da arte escritora: tem o condão de nos mover as emoções!
MoBa NePe Zinid – 01 dez. 2025
