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A maritaca da vizinha e meus gatos

Quem vem acompanhando este blog ou mesmo quem me conhece pessoalmente, sabe que tenho – já de alguns anos – um razoável número de gatos; ou, como diz uma amiga que está no Peru, “os 385 gatos da MoBa”. Rs.

Em meio aos atuais dezessete gatos, tenho todo perfil de comportamento, como já seria de se esperar. Tenho os gatos muito dóceis, mesmo antes de serem castrados. As fêmeas adoráveis e a fêmea aborrecida; aquela que implica com tudo e com todos. Os mais irritadiços que gostam só de um tipo de cafuné. Os indiferentes. Os que buscam o meu carinho, mesmo que eu não os esteja vendo. Enfim, tem de tudo!

Tendo eu esse número significativo de gatos, eu os revezo no quintal e nos espaços de acomodação para dormirem e ficarem protegidos de sol e de chuva (quando esta vem! Está bem escassa ultimamente!). Assim, o grupo que dorme na parte que fica em cima da biblioteca, é recolhido mais ou menos por volta de 22 horas e fica nesse espaço até umas 10 horas do dia seguinte, ou seja, um recolhimento de metade de um dia, sendo que parte noturna e parte diurna, restando a esse grupo a outra metade para usufruir do quintal, do sol e não da chuva (quando tem).

O grupo que vive harmonicamente no espaço externo à biblioteca, recebe sol que passa naturalmente pelas redes de proteção e, por conseguinte, só desfruta do quintal depois que o grupo anteriormente citado já foi recolhido.

Nesse ínterim, não bastassem esses movimentos/deslocamentos de grupos, para os quais tenho que usar de estratégias que desenvolvi diretamente com eles, levando-os a realizarem aquilo que desejo, seja entrarem ou saírem de um espaço, contei com a chegada de inopino da gata “callejera”, como a denominou a minha atual hóspede.

Essa gata que veio da rua e dominou o espaço doméstico aqui em casa é a mais ciumenta do grupo e, com isso, não pode participar de nenhum grupo e ainda tenho que evitar que ela entre em contato com qualquer gato que venha da rua para beber água ou ficar na varanda aqui de casa onde – seguramente – vai encontrar uma vasilha com um pouco de ração para se alimentar.

Mas, apesar de todo meu empenho em não permitir o ingresso de mais nenhum gato no meu volumoso grupo felino, eis que neste mês diferenciado de setembro (mudanças na rotina devido à inserção de uma hóspede estrangeira), surgiu uma gatinha doente, bem pequenina, novinha e magrinha. Com uma pelagem no estilo tigresa, eu a chamei de Baby e, por estar doente, eu a recolhi em quarentena, mantendo-a apartada de todos os demais grupos antigos na residência.

Com isso, as trocas de ambiente e os banhos de sol no quintal passaram a ser comuns a mais uma integrante que formou o seu grupo solitário. Mas os miados e movimentos no quintal seguiram sendo os mesmos até o dia em que eu, terminando de almoçar, saí no quintal e percebi um agrupamento dos gatos composto por Princesa e seus cinco tecidos: Xadrez, Seda, Tafetá, Brim e Cetim, nas proximidades da goabeira. Em um semicírculo, seis gatos harmonizavam suas posições, estando todos com as cabeças voltadas na mesma direção: a base da goabeira; o corpo deitado no piso com o rabo esticado e, ao mesmo tempo, batendo, como se estivessem todos sinalizando um bote próximo.

Observei aquela cena e, de imediato, pressenti que algum animal estranho (no ninho) ali se encontrava e, literalmente, estava encantuado, pois o semicírculo feito – talvez instintivamente – por meus gatos não lhe permitiria escape. Aproximei-me do grupo que não se movia (estavam todos encantados ou encantando!) e pude vislumbrar, dentro do canteiro, a maritaca da vizinha.

Fiquei boquiaberta de vê-la ali toda lampeira como se não estivesse com sua vida ameaçada e por um fio. Ela se movia com naturalidade, tinha os olhinhos amarelos bem vivos e parecia comer algum inseto que encontrara no piso. Sei do poder do bico desse tipo de ave e me preocupei em resolver o problema da iminência de ela se transformar em “comida de gato”, sem que um dos meus dedos fosse cortado. Comecei a chamar insistentemente pela vizinha, a qual sei gostar demasiadamente da avezinha. Ralhei com os gatos, ao mesmo tempo em que pegava a mangueira de molhar a horta e fazia sair água de sua extremidade que se encontrava ali próxima ao ponto da “emboscada”.

Como meu chamado fosse um verdadeiro alerta para o perigo pelo qual passava a maritaca da vizinha, esta última surgiu quase de imediato no muro que separa nossas casas e então eu pude lhe relatar o ocorrido, oportunidade em que a ouvi dizer calmamente que não tinha problema a maritaca ter caído ali, pois meus gatos eram “cavalheiros” e não a pegavam. Inclusive, a ave já era useira e vezeira em “passear em meu quintal”.

Ouvir aquilo gelou meu sangue nas veias por alguns segundos, pois só eu sei o tanto de rolinhas que esses mesmos felinos simpáticos já destroçaram pela horta afora. Tentando manter a minha calma como a da vizinha, que me ressaltava aos olhos, falei que poderia baixar a gaiola da maritaca que eu tentaria fazer com que ela subisse e, ao fazê-lo, bastaria que a vizinha içasse animal e suporte simultaneamente, que já estaria tudo resolvido.

Assim combinamos, assim foi feito. A vizinha aproveitou para me contar que mesmo que eu não estivesse em casa, ela conseguiria retirar a maritaca ali do covil de gatos, com vida e plenitude para aprontar outras. Foi quase uma adivinhação, pois no feriado mais prolongado do 7 de setembro, nem bem minha vizinha viajou, a maritaca veio realizar seu passeio matinal no meu quintal, tirando-me o sossego e o cumprimento da rotina.

Ciente da ausência da vizinha e imaginando que, de fato, devido ao recesso pudesse demorar a voltar, recorri à vizinha do lado oposto, aconselhando-me com ela sobre o que deveria fazer. A sorte foi que essa outra vizinha estava realizando uma geral no seu quarto de tralhas e me cedeu prontamente um daqueles cestos de colocar roupa suja, o qual jogaria na caçamba, pois estava danificado. Nesse cesto, eu improvisei dois pontos de poleiro com uns gravetos do meu quintal. No fundo, coloquei uma vasilha com água e parti para a captura da ave. Nada fácil, mas com um cabo de vassoura eu consegui sair exitosa da empreitada. Faltava alimento para ave, item inexistente em minha casa.

Feriado! Outro problema era conseguir uma loja especializada aberta na qual eu pudesse comprar comida para a avezinha. Ainda não havia chegado o horário de almoço quando consegui comprar um pacote de alimento típico para papagaios e, logo que cheguei em casa, enchi uma vasilhinha e coloquei dependurada nos poleiros que eu havia improvisado ali naquele espaço-gambiarra-gaiola de maritaca.

O horário rotineiro para as trocas dos grupos de gatos foi indo pro espaço até que consegui finalizar o recolhimento provisório e providencial da maritaca da vizinha. Agora restava saber: onde colocar uma ave presa numa casa em que tem gato pra todo lado? Lembrei-me do quartinho das tralhas que as casas velhas – como é a minha – costumam ter. Lembrança boa, realização a contento. Levei o cesto-gaiola pro quartinho de tralhas com a maritaca lampeira, onde ela ficou até que a tutora dela retornou do recesso sem receio algum de perder seu animalzinho de estimação.

Maritaca devolvida e recado dado: meus gatos mataram mais uma rolinha recentemente! Até a filhotinha doente matou pássaro no meu quintal. Seja por receio de perder a avezinha ou para não me ouvir repetindo a mesma ladainha, a vizinha finalmente prendeu a maritaca que, com isso, não veio mais testar o limite da bondade felina em meu quintal.

MoBa NePe – 29 set. 2023.