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Automático

Na metade do mês passado eu tive que me levantar às 5:30 (madrugada pra mim!) para ir até a casa de uma amiga atender a um pedido muito especial que ela havia feito a mim uns dias antes. Esse pedido se resume a levar o veículo novo – que ela e o marido acabaram de comprar – até a concessionária, para ser vistoriado. Isso porque ela não tem habilitação e coincidiu de o marido estar em viagem para a região Norte.

Então, após me preparar para despertar nesse horário incompatível para mim, que me deito sempre bem tarde, eu acordei com os 3 despertadores que coloquei para tocar – para ter certeza de que não perderia a hora – e, após fazer minhas abluções matinais, tomei café com leite e comi broa de fubá. A deliciosa que é vendida na padaria próxima de minha casa.

Preparada para sair de casa e ir de ônibus até a casa dessa minha amiga, quando faltavam 5 minutos para as 6:00 eu informei a ela pelo WhatsApp que estava saindo de casa. E ressalto o fato de ter optado por ir de ônibus porque meu carro estava na oficina devido a um problema elétrico; e não usei aplicativo porque uma linha de ônibus que passa próxima à minha casa me deixa na esquina da casa dela na zona sul.

Enquanto eu descia até a avenida onde eu tomaria o ônibus, começou uma chuva fina. Nenhum problema, já que neste período do ano eu não saio de casa sem sombrinha. Chegada ao ponto do ônibus, nenhuma informação da linha que me atendia estava exposta no painel eletrônico. Tudo bem. Devido ao horário, acreditei que passaria rapidinho, como já pude verificar estando nesse mesmo ponto esperando por outras linhas. Mas nessa segunda-feira, demorou. A chuva – até então fina – começou a engrossar.

Finalmente, surgiu o ônibus que me atendia. Cheio. Felizmente, não estava lotado; talvez em decorrência do aumento de R$0,75 recente, para cada deslocamento nosso nesse tipo de transporte urbano.

Apresentei meu cartão no leitor e fui para a metade do coletivo. Gosto de observar as pessoas, as conversas (até já relatei isso aqui neste blog!). Nesse dia, em especial, notei um número relativamente significativo de jovens assentados(as) nas cadeiras reservadas aos idosos, que eram muitos no veículo coletivo, inclusive comigo fazendo parte desse grupo. Tudo bem eu ir em pé por uns 25 a 30 minutos, pois fico assentada por muitas horas na frente do meu computador e, olhando pelo lado positivo, era até bom eu não estar assentada por alguns minutos.

O que chegou a me incomodar nesse exercício de observação foi perceber que estava apenas amanhecendo o dia e as pessoas que se deslocavam para os respectivos trabalhos (diferentemente de mim, que estava ali me dirigindo à casa de uma amiga para levar seu carro novo até uma concessionária) mostravam suas feições tristes e, algumas, até de cansaço. Fiquei imaginando com que expressões faciais eu me depararia – em se tratando daquele mesmo grupo – no horário de encerramento do trabalho de cada uma delas…

Enquanto o veículo coletivo seguia seu curso sob o comando de um motorista sem pressa e que nos transportava em segurança, notei que a chuva só engrossava, chicoteava as janelas, e não parava. Cada nova parada do coletivo, as pessoas que entravam traziam suas sombrinhas e guarda-chuvas escorrendo água. Algumas, mais cuidadosas, colocavam o objeto molhado dentro de uma sacola plástica, evitando molhar as pessoas do entorno; outras, descuidadas, pareciam se comprazer nesse molhar “sem querer”.

Finalmente, o ônibus chegou ao ponto em que eu desembarcaria. Desci e já fui logo me dando conta das poças d’água, da chuva forte e fria. Molhei os pés, as sandálias, as pernas da calça jeans. Parei em frente ao prédio onde reside minha amiga e mandei um áudio pra ela, via WhatsApp, pois ela não atendeu à ligação que lhe fiz. Eu não me lembrava do número do apartamento dela e, com isso, fiquei um tempinho sob a minimarquise de policarbonato, molhando, mesmo com a sombrinha aberta sobre minha cabeça.

Passados alguns minutinhos, recebo um áudio de minha amiga, perguntando se eu havia tocado o interfone. Respondi que não, porque não me recordava do número do apartamento. Ela então me pede para tocar o “01” e, tão logo eu faço isso, como num passe de mágica, as duas portarias se abrem: a externa, na divisa com o passeio público, onde eu me encontrava, e a interna.

Uma vez dentro do prédio, o efeito da chuva forte só ficou presente na sombrinha encostada na parede do lado externo da sala do apartamento, escorrendo uma quantidade razoável de água, o que preocupou minha amiga que, imediatamente, trouxe um tapetinho de tear para estancar o escoamento em direção à passagem comum e às escadas do prédio em direção à garagem. Junto à sombrinha, meu par de sandálias também ficou para ali escorrer e secar.

Após os cumprimentos entre humanos, o cachorrinho da casa veio me receber logo na porta de entrada, fazendo uma festa deliciosa, inclusive lambendo a água que escorria dos meus braços, demonstrando nitidamente a saudade que sentia de mim, acumulada desde antes da pandemia, quando os tutores dele viajaram para o exterior e o levaram para bem longe de minha convivência.

Passado o cerco feito pelo peludinho, eu adentro ao apartamento para me defrontar com farta mesa de café da manhã. Claro, não me fiz de rogada. Para quem me conhece, sabe que sei apreciar uma boa comida! Lavei as mãos e fui logo me assentar à mesa de café da manhã, bem em frente à xícara que ali serviram para mim. Tomei café, comi pão sírio com antepasto de berinjela; comi melão (estava picado! Não tem como resistir quando isso acontece!); e finalizei com tapioca com presunto defumado de peru e queijo. Devo ser honesta e lembrar a todos que leem este meu relato: era o meu segundo café da manhã em menos de uma hora!… Risos…

Enquanto tomávamos café, três mulheres ali reunidas: a minha amiga e sua mãe, e eu, conversamos sobre várias coisas, quando de repente a minha amiga se lembra de me perguntar se eu sabia dirigir carro automático. Eu devo ter arregalado os olhos quando olhei pra ela e respondi que não! Nunca tinha dirigido um carro automático na vida, apesar de várias décadas de habilitada. Os poucos carros que já tive até hoje são com marcha mecânica e, portanto, com embreagem.

Concluímos o café e fomos nos dirigindo para a garagem do prédio, otimistas: eu aprenderia rapidinho e tudo daria certo. Ao chegar à área de estacionamento dos véiculos, eu me deparei com várias pilastras, o que é comum em espaços desse tipo de edificação. Destaco: eu não gosto de estacionar ou tirar do estacionamento veículos que se encontram nesse espaço, pois acho muito chato o tanto de manobras que é exigido do motorista, pois são lugares feitos com medidas milimétricas para caber o maior número possível de veículos em vagas para carros de passeio.

Bom, como chegamos à lateral do veículo, ela acionou o alarme e já foi me entregando a chave. Abri a porta do motorista e vi o banco bem distante dos pedais. Ajeitei para que meus pés conseguissem movimentar tais pedais adequadamente; tenho as pernas curtas. Entrei e me sentei no banco do motorista e fiquei olhando a alavanca posicionada ao lado da letra “D”. Várias outras letras estavam alinhadas onde a alavanca tem seu espaço de deslocamento. Eu ainda me lembrava vagamente do veículo (que também é com câmbio automático) de minha irmã que mora nos EUA: “P” é para estacionar o veículo; significa “parking” em inglês. “D” é para dirigir; significa “drive” em inglês. Entretanto, havia várias outras letrinhas e, na posição em que o veículo estava, necessariamente, eu teria que engatar uma ré e realizar várias outras manobras. Meu Deus!

Acontece que tínhamos horário para levar o carro novo de minha amiga até a concessionária; sendo assim, não haveria tempo hábil para ler o manual do veículo. Minha amiga decidiu telefonar por chamada de vídeo para o marido, para que ele me explicasse qual posição da alavanca de marchas era a ideal para eu deslocar o veículo em ré. Ele explicou que eu teria que posicionar a alavanca na letra “R” e, depois disso, o carro faria tudo sozinho. Disse também que bastava eu deslocar a alavanca da letra “P” até a “R”, com o motor ligado. Mas a alavanca estava na letra “D” e não na “P”!

Confiei e fiz exatamente o que ele dizia: coloquei a alavanca na posição da letra “R”, mas o veículo nem se moveu. O marido dela foi sugerindo a troca para a posição “D” e depois para a “R”, mas tudo continuava imóvel, até que eu percebi a luz vermelha acesa no painel do veículo: o freio de mão estava acionado! Risos.

Embora o veículo seja com direção automática, o acionamento do freio de mão ainda é feito de forma mecânica e eu não o havia desarmado, motivo pelo qual o veículo nem se mexia. Assim que eu descobri essa particularidade – descuido de minha parte, já que nos veículos não automáticos também é imprescindível desarmar o freio de mão –, o veículo começou a ter pequenos deslocamentos. Mas ainda faltava tirá-lo de entre as pilastras, movimentá-lo alinhado e em frente no percurso reto até o portão na divisa com o passeio e que favorecia o acesso à rua.

Foi nesse momento que comecei a suar. Eu posicionava a alavanca em “R” e deslocava o veículo uns centímetros para trás, mas logo vinha o alarme avisando da proximidade da pilastra e a imagem no painel mostrava um tanto de barrinhas já iluminadas, confirmando a iminência de um esbarrão no cimento crespo. Coração disparava! Pé esquerdo batia no assoalho do veículo em busca de uma embreagem inexistente… Meu Deus! Eu pedia mentalmente que Ele evitasse que eu arranhasse o veículo zero de minha amiga. Suava ainda mais!

O marido dela seguia na chamada de vídeo, tentando nos ajudar da melhor forma possível. Perguntou se tinha algum veículo estacionado à esquerda do lugar onde o veículo deles se encontrava e, ao ouvir a nossa negativa, sugeriu que eu fosse deslocando aos poucos o veículo para esse espaço. Depois de inúmeras manobras entre “D” e “R”, o veículo postou-se perpendicular em relação à posição em que se encontrava quando chegamos à garagem. Faltava pouco. O suor escorria pelas minhas costas.

Enquanto eu realizava essas inúmeras manobras, a faxineira do edifício, de longe, apenas nos observava, próxima a um SUV que, da forma como estava estacionado, por pouco não me permitiu sair em linha reta em meio às inúmeras pilastras. Mais manobras ainda foram necessárias, já que a traseira desse veículo grande era um obstáculo intransponível. Finalmente, consegui sair de frente e entre duas pilastras, posicionando o veículo com a dianteira voltada ao portão de acesso à rua, nosso alvo para levá-lo para a vistoria agendada para dali a alguns poucos minutos.

Mas ainda tinha a transposição do portão eletrônico. Antes do acionamento do controle, ato praticado com muita precisão por minha amiga, parei o veículo exatamente ao lado da faxineira, a qual se dirigiu a minha amiga e, apontando para mim com a vassoura nas mãos, perguntou pra ela: “Ela está aprendendo a dirigir?”, tendo eu ouvido nitidamente a resposta: “Não! É porque o carro é automático!”. Na mesma hora eu disse baixinho: “Sim! Estou aprendendo a dirigir um carro automático!”. Era a mais pura expressão da verdade, pois apesar das várias décadas de habilitação, era a primeira vez em minha vida que dirigia um veículo automático.

Voltemos então à saída para a rua. O timer do portão foi perfeito. Passamos por ele, que se fechou às nossas costas com um barulho seco de batida no batente. Entretanto, simultaneamente, ouvi outro barulho e não era do portão. Imediatamente eu parei o carro, coração disparado novamente, olhando preocupada por todos os retrovisores. Ouvido atento, escutei o marido de minha amiga dizendo que ela deveria me avisar que a “saia” do carro raspava no piso na saída, e ela respondendo para ele que já havia acontecido e se despediu dele.

Entregues à nossa própria sorte, começamos a aventura de transitar pelas ruas belorizontinas comigo dirigindo pela primeira vez um veículo automático. Fui guiando a 20 quilômetros por hora. Conseguimos chegar à concessionária apenas 2 minutos depois do horário do agendamento para a respectiva vistoria.

Suando do jeito que eu estava, não perdi a noção do perigo que era eu dirigir um veículo sem saber nada sobre a direção e seus controles. Exatamente por isso, sugeri que minha amiga conversasse na concessionária sobre a possibilidade de eles lhe devolverem o carro em casa, o que foi conseguido por ela sem muito esforço, pois o rapaz que a atendeu mora em bairro vizinho ao dela, para a nossa sorte.

Carro entregue, despedida feita, saí da concessionária, atravessei a avenida e fui direto para o ponto de ônibus para pegar um que me deixa bem próximo de minha casa. Como gostei de entrar nesse coletivo! A aventura recém-vivida valeu-me como uma excelente experiência, reveladora da importância de se questionar algumas coisas quando nos propõem algo. Eu errei em não ter perguntado à minha amiga, quando ela me questionou se eu podia levar o carro dela e do marido dela até a concessionaria, se se tratava de um veículo automático. Portanto, lembre-se, numa situação dessas, de perguntar: “É automático?”. Atenção: só aceite se souber dirigir esse tipo de veículo, combinado?

MoBa NePe Zinid – 01fev2024