Cadê a casa que ‘tava aqui?
No primeiro final de semana deste mês, minha irmã, que mora em Betim, veio ficar aqui em casa comigo, para irmos juntas – no domingo – a uma festa de 50 anos da cunhada de nosso irmão mais velho que eu.
Coincidiu de minha irmã chegar justo no dia em que o pintor estava finalizando uma pintura de um gradeamento para um arbusto, que fica no passeio de minha casa. Como ela chegou bem próximo ao horário de almoço e eu não tivesse nada preparado para os três comermos, comentei com o pintor que sairíamos, minha irmã e eu, para comprarmos os presentes para o aniversário do dia seguinte e que depois iríamos almoçar, mas que, devido ao horário, eu deixaria o almoço dele pago e que ele poderia ir lá mesmo sem nós duas, pois não sabia se demoraríamos.
Fiz o PIX para o pagamento dos três almoços, saímos, fizemos a compra dos presentes dela e meu e, ao retornarmos, o pintor em vez de almoçar lá no restaurante, que fica na rua perpendicular àquela onde moro, e que é, também, onde a minha rua começa, preferiu pegar uma marmita e a trouxe para comer aqui em casa. Foi então que ele relatou que, bem perto do restaurante, estava tendo muita poeira, porque parecia que estavam demolindo uma casa.
Estranhei a informação e não conseguia imaginar que casa seria e onde, pois próximo ao restaurante eu só conhecia casas residenciais e uma grande empresa de venda de automóveis. Enfim, mesmo achando estranho aquilo, fomos minha irmã e eu almoçar no restaurante. Descemos a rua onde moro e, onde ela começa, ao virarmos à esquerda, levei um susto, porque realmente havia muita poeira, a qual vinha, trazida pelo vento, na direção do restaurante onde almoçaríamos.
Enquanto aguardávamos chegar nosso pedido e, também, enquanto nós duas almoçamos, contamos algo em torno de uns três caminhões daqueles com caçamba, os quais estavam associados diretamente à demolição, conforme pudemos comprovar tão logo saímos do restaurante.
A casa que havia acabado de ser demolida ficava exatamente na esquina de duas ruas com nomes de flores. A rua onde moro também tem nome de flor. Aliás, várias ruas do bairro têm nome de flor. O pior é que me dei conta de que a árvore do passeio bem próxima à esquina, também tinha deixado de existir. Era enorme e antiga. A casa também era assim!
Eu levei um susto, ou melhor, fiquei chocada com o desaparecimento da noite pro dia de uma casa daquele porte. Tinha grades bem antigas na parte superior do muro. O portão de entrada de veículos era contíguo ao restaurante onde sou freguesa. Na outra rua ficavam o portão de pedestres e, também, as portas de aço de uma lojinha. Até o momento em que minha irmã e eu passamos no passeio oposto ao toco da árvore que restou junto ao piso, contamos seis caminhões com caçamba para o abastecimento com o entulho, que foi sendo retirado por uma mão mecânica de uma máquina operada por um único homem.
Quantos homens devem ter sido necessários e em quanto tempo para a construção daquela casa grande de esquina e bastante antiga aqui no mesmo bairro onde moro? Eu me peguei pensando. Em um único dia, um imóvel, onde toda uma vida existiu e nutriu a árvore, que ali havia, igual ao meu pé de manacá na porta de minha casa, sumiu, sumiram.
Cadê a casa que ‘tava aqui? Eu também me perguntei quando, já em casa, defronte à tela do computador, fui para o mapa virtual, busquei a ferramenta de visualização e me desloquei até aquela esquina, a qual mostrei para a minha irmã, que ficou estupefata! Ela imediatamente me perguntou: “Mas por que será que derrubaram uma casa tão grande e boa quanto essa?”. Eu não tinha a resposta pronta, mas desconfio que, mesmo que fosse uma casa de dois pavimentos ou um pequeno prédio que existisse ali e houvesse sido colocada(o) à venda, como essa casa grande o foi, ainda assim teria sido demolida(o), pois o terreno de razoável extensão e plano, que se descortinou ainda naquele sábado, foi a resposta para uma pergunta relativamente complexa.
É bem provável que surja ali uma empresa. A “bolha” (já escrevi neste blog a esse respeito!), que é o bairro onde moro, está se transformando aos poucos, isso não resta dúvida. Mas será que é esse o futuro de todos os bairros que vão passando a ser, aos poucos, regiões mais voltadas ao comércio, que a área residencial, propriamente?
A pergunta principal que me faço e seguirei fazendo é “cadê a casa que ‘tava aqui?”, pois é um choque conhecer o entorno ao ponto onde vivo, local e ruas meus velhos conhecidos, meio que ter “mapeado” cada quarteirão, como se fosse fazer um levantamento de censo para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e, de repente, a paisagem vai mudando, vai se transformando, vai sofrendo umas mutações que eu, sinceramente, não sei dizer se é o que eu quero ver no futuro desta “bolha” onde moro!
MoBa NePe Zinid – 18 set. 2025.

É minha irmã, sei bem a casa que está descrevendo. Quando fui ao Brasil, me maravilhei, mas me entristeci ao não ver casas antigas aonde nasci e passei as férias; onde mamãe Mary mora dava para ver montanhas; agora só se vê janelas e prédios altos nelas! Sei que tudo muda, mas a casa vizinha da minha vida inteira, que eu amava, virou mais um prédio! Triste demais; as árvores quase não existem lá também! Deram lugar a grandes portões ou só foram “inconvenientes” na obra. E me pergunto: “Cadê o oxigênio que ‘tava ali?”.
Querida irmã,
apenas as nossas lembranças ficam e, à medida que o tempo vai passando, elas também vão sumindo… Quanto ao oxigênio, quem sabe os grandes empresários, que fazem prédios maravilhosos, também vão “construir” para as gerações futuras, não é mesmo? Todos nós sabemos que a modernidade chega e se impõe. Entretanto, dói saber que nem mesmo as árvores seculares são protegidas da devastação…
Gratidão por estar aqui neste espaço de diálogo e aberto aos pensamentos e, por extensão, também às nossas lembranças!
Envio-lhe e à minha sobrinha querida muita energia positiva!
Que coisa triste ver a paisagem mudar assim tão bruscamente… E o que será que vai ser construído lá? Sendo uma provável empresa ou qualquer outra coisa, acho que a memória estará sempre impactada, manchada pela invasora “modernização”…
Querida Élida,
obrigada por dedicar seu tempo para vir dialogar comigo e demais leitores deste blog!
Trago em mim uma tristeza e a sensação de que a devastação alcança a alma de cada um de nós, não é mesmo?
A impressão de que nós – seres humanos – também seremos “descartados” como casas, árvores…
Enfim, aguardemos o que nos reserva o futuro: do lote plano e sem casa, bem como o nosso próprio espaço devastado quanto às lembranças
que persiste em abrigar.
Excelente final de semana!
Ei Mônica,
Boa madrugada, espero que esta mensagem não lhe acorde nela.
Se acordar, me desculpe, é que só consigo fazer as coisas que realmente gosto bem à noite, quando o silêncio me desperta e me faz companhia.
Silêncio está ficando cada vez mais raro nestes tempos do futuro.
Silêncios sempre sendo interrompidos pelos motores dos carros e motos, hoje quase onipresentes nos dias.
Assim como as casas, as árvores, os bichos, a vida e a gente, os silêncios dão lugar aos motores do tempo que, cada vez mais modernos, frequentes e potentes não têm tempo a perder e só sabem acelerar para que todas e todos possam com alguns cliques e um PIX, no conforto do lar – aquela caixinha com sofá, wi-fi, 5G e tela plana -, devorar e engolir a vida sem saborear, como um suculento ‘X-Supremo Tentação Burger’ (mas é artesanal e às vezes vem com picles), se conformar, afinal é o que temos para o momento.
Portanto, querida Mônica, daquela casa ficou um vão e a terra plana, os ventos de setembro ainda trarão muita poeira, mas fique tranquila, logo teremos lá uma torre cheia de caixinhas modernas, ou talvez, quem sabe, mais uma concessionária de carros ou motos. Temos de acelerar, afinal o tempo não sabe esperar, e a vida… deixa pra depois.
Seu tema e suas lembranças foram extremamente pertinentes pra gente. Ao terminar a leitura, logo me veio na mente uma música da Vanessa da Mata que eu adoro (a música e a cantora): “Carta (Ano de 1890)”.
Segue o link se quiser ouvir:
https://www.youtube.com/watch?v=8NxSs-UZXLI
Segue a letra que é curtinha, tem tudo a ver, com sua leitura e com Literatura:
Ando nas ruas do centro, estou lembrando tempos
Enquanto lhe vejo caminhar
Aguando a calçada, um barbeia um velho
Deita à noite e diz poesias
Ando nas ruas do centro, estou lembrando tempos
Enquanto lhe vejo caminhar
Aguando a calçada, um barbeia um velho
Deita à noite e diz serenata
Vinho, enquanto ouve choro costurar
Passei na casa, Seu José não estava
Memórias, Senhor Brás Cubas Postumavam
Enquanto vi passar Helena pra casa de chá
Vinho, enquanto ouve choro costurar
Passei na casa, Seu José não estava
Memórias, Senhor Brás Cubas Postumavam
Enquanto vi passar Helena pra casa de chá
Devagar, bonde na praça
Ainda borda delicadeza
Torna a gente banca de flores
Libertando sorrisos no ar
Devagar, bonde na praça
Ainda borda delicadeza
Torna a gente banca de flores
Libertando sorrisos
Um abraço,
Rafael.
Querido Rafael,
primeiramente, quero lhe agradecer por trazer mais música pra minha vida!
Eu não conhecia a música e, tampouco, a letra! Ambas me encantaram, assim como a voz da cantora!
Sou grata também por ver que o meu costumeiro “Boa madrugada” agora vem sendo usado com propriedade,
não por mim, mas por você. Já faz tempo que eu passei a dormir por volta de 23 horas, mas mais por determinação do geriatra, que por vontade própria; afinal, 27 anos da vida passados trabalhando em regime de plantão me fizeram “trocar o relógio biológico”, não como uma bebê recém-nascida, mas como uma trabalhadora comprometida.
Gratidão por trazer poesia, literatura, urbanismo, modernidade(s) e outros bichos mais para este blog. Isto sim, enriquece e alegra a vida de todos nós, pois é nessas discussões tão apropriadas, pertinentes, necessárias, que aprendemos a compartilhar mais e melhor nossa solidão neste mundo tão cheio de gente, tão moderno, tão tudo, mas às vezes vazio de diálogos. Que bom poder ter este espaço para que o diálogo se prolonge e frutifique.
Fiquei pra lá de feliz de saber que o instiguei, o motivei e lhe fiz vir até aqui para escrever esse seu texto tão profundo, tão verdadeiro.
Saiba que recebi comentário (em off) que contraria aquilo que trouxe escrito para este mês de setembro, em que a primavera desponta com sua força, sobretudo sua vontade de sobreviver. Texto oculto das leituras públicas, diretamente para meu número pessoal, confrontando um espaço onde antes havia uma casa velha num bairro onde eu residi tempos atrás e hoje existe um prédio com apart-hotel e lojas na parte inferior da edificação. Não nego que ficou uma belíssima construção, que trouxe prosperidade e valorização para os terrenos do entorno.
O que essa pessoa que não veio a público – diferentemente de você e dos demais que aqui me prestigiam costumeiramente – talvez não tenha compreendido é que minhas lembranças vão envelhecendo, mas simultaneamente se apagando; que a tristeza de ver diariamente uma bela e grande casa que, repentinamente deixou de existir, me chocou e, claro, que o modernismo desenfreado, inclusive (e sobretudo) por causa da árvore de grande porte extirpada de sua essência, de seu vigor, de seu poder de renovar o ar que respiramos, é o começo e, quiçá, a permanência do caos em que as gerações futuras estarão.
É certo que mais duas gerações à frente eu não mais estarei aqui para ver, não respirarei mais; todavia, meus parentes que estão ainda nascendo, meus amigos que ainda estão se tornando avós, terão essas pequenas crianças de hoje, presentes no concreto armado, no espaço desértico em que muitos bairros com suas casas antigas se transformarão. Mas os profissionais de paisagismo darão um jeito, me contestará essa pessoa que não veio a este espaço para expor suas ideias! E eu direi: Deus criou tudo com perfeição! Inclusive a nós, seres humanos. O meu pesar é outro…
Portanto, Rafael, receba o meu “muito obrigada” por existir e me compreender! Por se manifestar: seja aqui, seja nas ruas!
Parabéns!
Abraço e os votos de que as boas energias que lhe envio se transformem em muitas bênçãos em sua vida!