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Envelhecemos juntas

Moro numa casa velha construída nos anos 1970. Passados pouco mais de 50 anos, já foi remodelada por inúmeras reformas. Nesta casa, além de mim, muitas outras boas almas já a habitaram. Hoje, sou a dona de um lar ensolarado e bem ventilado. Ou a quase dona, já que para adquiri-la, como fazem inúmeros brasileiros/as, tive que me submeter a um financiamento. No meu caso, nem tão longo assim, devido à minha idade à época da compra intermediada por uma empresa reconhecida no financiamento habitacional.

O bom de me ver como dona de uma casa na qual alguns parentes moraram antes de mim, é que, junto com a compra, vêm muito boas lembranças. Outra alegria nesta minha casa é que tenho inúmeras árvores frutíferas: jabuticabeira, videira, pitangueira, goiabeira, mexeriqueira, romãzeira, figueira e um mamoeiro; uma horta e, não bastasse, um gigantesco pé de louro e muito ora-pro-nobis.

A possibilidade de sentir o odor das rosas ao abrir as janelas da sala é de uma importância inenarrável. A esposa do meu tio era apaixonada por rosas e ambos moraram aqui por muitos anos. Ele fez o jardim com roseiras especialmente para fazê-la mais feliz.

Saber que os corredores externos circundantes já foram percorridos em quilômetros pelos pés miúdos de minha mãe e pelos enormes do meu tio, nos últimos tempos dos dois – ambos viúvos, igual a mim –, traz leveza ao meu infindável ir e vir por esses mesmos corredores.

Agora, enquanto enfrentamos juntas – a casa e eu – a pandemia, decidi que era tempo de renovação. Para ela e por mim.

Novos ares no espaço já tão conhecido, pensando em alegrar meu ambiente – normalmente –, tão comum quanto previsível. E foi com esse pensamento que desde 21 de junho enfrentamos juntas mudanças sob a designação de reforma.

Com a bendita reforma que, até agora não mudou tanto a estrutura da casa (mas já orçamos outras alterações mais radicais…), tive a grata surpresa ao olhar o telhado novo, de ter um pequeno sobressalto e, esquecendo-me que estava sozinha, acabei comentando em voz alta: “Minha casa envelheceu com a reforma; branqueou a cabeça!”

Acontece que, ao trocar as telhas do telhado por outras bem mais claras e com apenas umas manchinhas amarronzadas, acabei causando esse espanto em mim mesma. Mas, mesmo que minha velha casa reformada se pareça com uma senhora de cabelos totalmente brancos, que importa?! Envelhecemos juntas!

Em minha infância eu a vi ser construída. Na adolescência, eu a vi em seus momentos mais completos: de  gentes e de cores. Ao chegar à maturidade, juntas perdemos as pessoas queridas com as quais coabitamos. Ela perdeu cores, foi repintada, enquanto eu, mesmo sem pintura, tentei encontrar minhas próprias cores.

Hoje, ela na transposição dos 50, enquanto eu caminhando para a terceira idade, vejo paredes demolidas, enxergo que, onde algo é destruído, um novo erigir é possível e me espelho nessa fortaleza feita sobre alicerce forte: reconstruo-me enquanto envelhecemos juntas.

Moba Nepe Zinid – 17 agosto 2021.