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Eu me retiro

Fevereiro de 2023. Mês de carnaval. Aliás, o mês praticamente todo foi de carnaval aqui em Belo Horizonte! Eu fui de ônibus fazer uma consulta na área hospitalar e, lendo o Jornal do Ônibus, eu me dei conta de que aquela semana de carnaval dos anos anteriores havia se multiplicado.

Também se multiplicaram os blocos e os foliões. Ampliaram as faixas etárias que participam da folia. Eu me lembro como se fosse um filme desgastado pelo tempo, das matinês carnavalescas em que os bem jovens, e os não muito mais, se divertiam durante toda a tarde e, ao cair da noite, acabava a folia. Só voltando no próximo dia para continuar a pular, lançar confete e serpentina, cantar e suar!

A festa era de alguns poucos dias: começava – normalmente – no sábado e terminava impreterivelmente na terça-feira, já que a quarta-feira de cinzas não era dia de folia. Meu querido tio Zé, nessas ocasiões, cantava uns trechos de umas marchinhas de carnaval dos anos 20 ou 30 e ria muito, dizendo que era música para o carnaval daquele ano. Eu me achava muito esperta, pois já conhecia aquela canção (“Eu fui à tourada em Madri, paratimbum, partimbum, bum, bum. E… quase não volto mais aqui-i-i-i… pra ver Peri beijar Ceci. Paratimbum, bum, bum…”), e ia logo dizendo pra ele que não era marchinha daquele ano, porque ele já havia cantado em anos anteriores pra mim. Aí é que ele gargalhava mesmo.

Até minha mãe, ciente de que não poderia brincar nas ruas belorizontinas naquele ano, devido às inúmeras restrições pelas quais passávamos, entrava na onda do meu tio e começava a cantar marchinhas da época em que eu sequer era nascida. Não saberia dizer se essas músicas, que eles cantarolavam e riam se lembrando de vários carnavais dos quais participaram juntos, com os respectivos acompanhantes, ou mesmo sem estarem juntos, mas com outras pessoas, normalmente, amigos e amigas, haviam sido selecionadas em festivais de marchinhas ou se isso nem havia à época.

Nem tão recentemente, cheguei a acompanhar e até a votar em algumas marchinhas, torcendo para que fosse escolhida a minha eleita, a minha predileta, aquela que já sabia de cor e me divertia cantando bem alto, a ponto de as vizinhas perguntarem para minha mãe por que eu estava tão alegre. Criança e adolescente que eu era quando isso se passava, nem de longe imaginava os compromissos que a vida me imporia nos carnavais vindouros.

Vários outros carnavais passaram por mim ou eu me deixei passar por eles. Houve o período dos plantões intermináveis no recesso carnavalesco. Nem tinha tempo para assistir aos desfiles na televisão. Atualmente, mesmo sem os plantões a me tomarem o tempo, este segue escasso, pois a dedicação é a outras frentes de estudos e trabalhos.

Quando meu marido e eu estávamos juntos, o único ano em que o carnaval nos uniu, foi exatamente aquele em que ele havia acabado de ser diagnosticado com câncer em fase de metástase. Uma lástima que não tenhamos seguido separados no carnaval como nos anos anteriores, pois naquele único em que estivemos juntos (2012), passamos lendo e estudando o quadro clínico dele e nos abismávamos com o que líamos: média de 8 meses a expectativa de vida. O que fazer? Seguir vivendo e da forma como ele escolheu: ao lado da família.

Acredito que a minha tristeza ou desilusão com essa linda festa, repleta de energias emanando de corações apaixonados (por outras pessoas ou pelo espetáculo em si) advenham dessas associações com muitos episódios que foram me afastando da alegria contagiante, das músicas, das brincadeiras saudáveis e constantes; do suor escorrendo pelas costas, nas pernas e colando a fantasia no corpo.

Quando eu não ia para a folia como por exemplo, à festa prévia do Florestinha, ou nos dias da festa propriamente, ao Cravo Vermelho, em Sabará, eu buscava um retiro ou uma viagem para a praia, na companhia de pessoas amigas e queridas, com as quais eu me divertia sem me preocupar com a minha segurança ou com a deles, pois sabia (sabíamos) que naquele fim de mundo onde estávamos não havia nenhum perigo. E o período de descanso e afastamento da lida passava voando.

Lembro-me ainda claramente de um retiro espiritual, ofertado por uma igreja católica, por um preço módico, no qual a única coisa que não combinava muito comigo era ter que me levantar bem antes das 7 horas para tomar o café da manhã e, depois, fazer as orações. Mas, assim que terminava, eu voltava para o meu quarto e dormia mais um pouquinho. Acordava por volta de umas 10 horas, lia e saía para comer uma fruta e, na hora do almoço, eu me deliciava! Eita comida boa que preparavam e serviam para os hóspedes!!

Eu não me fantasio mais. Apenas fantasio que ainda virão muitos carnavais para eu acompanhar a tensão da apuração e a alegria nos barracões com os integrantes da escola, que alcançou ser campeã depois de tantos empenhos, lutas e gastos, festejando irmanados na alegria da vitória.

Hoje, o recesso carnavalesco é um momento de tentar “correr atrás” do serviço atrasado por motivos vários, levando a sério rotina e disciplina diariamente para cumprir cotas que eu me estipulei e, com isso, ficar mais em paz.

Deixei o carnaval para os jovens (e para os nem tão jovens assim) que têm força e fôlego para a folia. Eu me retiro…

MoBa NePe Zinid – 24fev2023