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Gata alinhada

Gosto de costurar. Aprendi em uma máquina mecânica, com pedal, da marca Singer, a qual pertenceu à minha avó materna, depois passou para a caçulinha da família, a minha mãe que, expressamente, designou a mim como a futura proprietária dessa máquina de costura, que foi arrematada por meu avô materno em uma quermesse, antes mesmo que minha mãe nascesse, o que se deu em 1934. Daí se entende que essa máquina é uma relíquia, embora só possa produzir ponto reto; todavia é magnífica. Pode acreditar!

Bem, como comecei na costura aos 7 anos de idade, com a minha mãe me ensinando, passei boa parte da vida fazendo coisas pra ela nessa mesma máquina, já que minha mãe costurava colchas de retalhos para vender e conseguir algum dinheirinho pra nós em casa. Segui fazendo apenas o trivial, até que certa feita (mais recentemente), indo a pé para o reiki, vi uma loja com um nome muito apropriado: “Fazendo Arte”, na Rua Platina. Vi que tinha coisas artesanais nas vitrines e entrei lá, oportunidade em que tomei ciência de que ali havia uma escola de costura. Óbvio que eu me matriculei.

Isso foi em torno de um ano antes da pandemia e eu comecei a tomar muito gosto pela costura criativa, fazendo mesmo arte: ecobag, porta-óculos, bolsas em geral, porta-trecos etc. Até de um amigo oculto nessa escola eu participei e adorei. Mas veio a pandemia e o simpático casal que levava a escola adiante não teve mais como manter o negócio funcionando sem ter a nós, alunos e alunas, ali naquele espaço maravilhoso. Infelizmente, Fazendo Arte deixou de existir.

Em que pese a pandemia ter tido inúmeros dissabores, às vezes, para não pensar no pior, eu praticava o que havia conseguido aprender nas aulas de costura criativa, fazendo coisas para presentear às pessoas amigas quando passasse aquele turbilhão. A vida mudou, mas meu hábito de, nos fins de semana sem maiores compromissos – como foi o da semana do sábado 13 do mês passado, em que fui madrinha no casamento dos amigos Isabela & Adriano – dedicar algum tempo à costura, permaneceu.

Mas nem só de arte vive uma mulher que não é rica, como é o meu caso. Daí que no fim de semana seguinte ao do casamento, eu tirei do armário as peças que precisavam de pequenas reformas, como uma toalha de banho em excelente estado, exceto pelas bainhas que se desfizeram. Então eu escolhi uma cor de linha azul clara, compatível com a costura que faria a recomposição da bainha em questão e, terminado o serviço no sábado, no mesmo dia, a peça já foi para a máquina de lavar.

Fim de semana implica, algumas vezes, improvisos culinários; eu não havia preparado nada para meu almoço de domingo. De sorte, que minha cunhada me convidou para almoçar com ela. Como eu seguia com a parte da lavação de roupa, além da costura, antes de sair de casa, voltei minha atenção para a liberação da máquina de lavar, já que eu não a deixo ligada (ou em algum ciclo da lavação, mesmo que seja o de repouso, pois voltará a funcionar em outro momento). Assim que terminou a centrifugação, cuidei de colocar todas as peças nos varais – que estão novamente liberados, em que pese a reforma não haver terminado ainda – e, tão logo finalizei essa etapa, saí de casa para ir desfrutar do almoço em casa alheia.

A boa nova que me trouxe para a escrita deste texto, na verdade, eu encontrei ao retornar da casa de meu irmão: havia uma canelinha (bobina para alguns!) com linha azul clara no chão, sob a mesa, no cômodo onde eu havia deixado a máquina de costura e boa parte dos apetrechos para seguir no mesmo labor ao retornar (o que, aliás, não se concretizou). Mas, enfim, o curioso é que, como eu ao terminar de costurar algo ponho reparo se é preciso encher a canelinha (bobina), eu havia feito isso com a linha azul clara, a qual fora usada em abundância para a bainha na toalha de banho e, consequentemente, precisou de reabastecimento.

Canelinha ou bobina é um suporte plástico e a que uso é do tipo transparente e baixa. A gata que tenho dentro de casa é aquela que chegou aqui em outubro de 2022 e aboletou de tal forma no espaço, que já vai fazer dois anos e não quer ir embora. Como ela ficou trancada dentro de casa na minha ausência, ela encontrou a canelinha e, certamente, devido ao formato e à leveza do objeto, deve ter começado a dar tapinhas até que o item foi pro piso.

Deve ter bastado o barulhinho da peça caindo para a gata se empolgar e, sem dúvida, a partir do encontro entre gata e canelinha no piso, a alegria se espalhou e se desalinhou pelo ambiente. O quadro que encontrei sob as cadeiras (são 6 sob a mesa) e, igualmente, também em volta dos pés da mesa, fez eu construir imagens de pulos, volteios da canelinha sobre a gata, corridinhas, “risos” da gata enquanto a canelinha rolava e ela ia atrás, recuperando o “brinquedinho” que solta um rabo fininho e que não se acabava mais (ainda sobrou um pouquinho de linha azul clara na canelinha, que estava cheia quando eu saí de casa!).

Alguns embolados devido às unhadas na busca da recuperação da canelinha “fujona” e um pouco de babado, porque morder os bolos é uma arte que minha gata de dentro de casa também sabe fazer bem! Eu consegui uma linha com babado sem esforço algum da minha parte e, ao ver o emaranhado que se formara no piso sob a mesa e em volta dos vários pés ali presentes, pensei como deve ser complexo percorrer um circuito de Fórmula 1.

Apesar de eu ter tarefas de grande importância para cumprir, e com urgência, já que havia me ausentado na maior parte do domingo e teria que realizar compromissos para a segunda-feira consecutiva, resolvi percorrer o caminho que a canelinha e a incansável gata haviam feito. Encontrei a primeira, base de onde se soltara todo aquele emaranhado que, aparentemente, jamais se desfaria. Tomei ânimo e, quando soltei um suspiro mais prolongado, parece que a gata pressentiu que, se fosse mexer novamente naquele torvelinho eu poderia ficar insatisfeita, e, com isso, saltou para o parapeito da janela e, elegante e atentamente, começou a me observar engatinhando sob a mesa.

Se eu pudesse ler o pensamento da gata naquele instante, certamente encontraria algo assim: “O que será que ela está fazendo de tão sem graça com o ‘meu brinquedo’ que ele nem barulhinho produz?” ou, então, “Por que ela resolveu engatinhar no meu espaço de lazer?”.

Enfim, o que eu registrei foi que o circuito era longo o suficiente para minha gata ter ficado bem ocupada durante a minha ausência e sem qualquer estresse. Linha babada é uma especialidade dela e eu que me dê por satisfeita por ter recuperado toda a linha, embora suja em várias partes com pelos da gata, que estavam também ali no ambiente. Claro que não vou costurar à máquina com essa linha suja, mas jamais jogaria no lixo uma linha de boa qualidade e que ainda pode ser usada para alinhavar peças, quando necessário.

Agora a pergunta que não quer calar: “Se eu fiquei brava com a gata?”. Desta vez, não! Afinal, quem tinha que se precaver quanto ao episódio, teria que ser eu, que raciocino, mas não o fiz. Então o erro foi meu e não dela. Mas como costumam dizer à boca miúda: “Há males que vêm para o bem”. A gata estava muito, mas muito tranquila. Tanto que nem quis brincar comigo ou buscou meu colo quando eu fiquei digitando este texto. Depois que desceu do parapeito da janela, foi para a cama dela nos pneus e se enfiou embaixo do cobertor que está ali para ela se manter aquecida, coisa de que ela também gosta muito!

MoBa NePe Zinid – Ago. 2024.