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Hospedar

Há uns 10 anos – aproximadamente – eu comecei a hospedar estrangeiros em minha residência. Meus dois primeiros hóspedes vieram da República Dominicana, país que ainda não tive o privilégio de conhecer. Veio um casal: uma moça e um rapaz. Ambos para realizarem uma pós-graduação na instituição onde, atualmente, quem está se pós-graduando sou eu.

A jovem, muito linda e preocupada com o cabelo ser bem liso, mas muito liso mesmo, usava, o tempo todo, um secador de cabelo por horas e horas. O jovem, muito autônomo, passado algum tempo, perguntou-me se poderia receber a namorada (hoje, sua esposa) no quarto de solteiro que ele usava nos fundos da minha casa. A jovem, igualmente dominicana, vinha da Espanha (Valenza), onde também realizava um mestrado, devendo, segundo ele me informou, ficar poucos dias na minha casa e, depois, iriam para Ouro Preto, Rio de Janeiro e, talvez, para mais alguns pontos turísticos no país.

Eu, inexperiente ainda na arte de hospedar estrangeiros em minha casa, concordei e, pouco tempo depois, chega uma moça muito pequenina e que só falava em espanhol. Ela ficou enfurnada no quarto de solteiro com o rapaz, só saindo ambos de lá para irem juntos para o chuveiro e, com isso, eu praticamente deixei de usar os fundos da casa. Primeiro, porque me constrangia o fato de me encontrar com o casal – praticamente em lua-de-mel – e, ainda, porque eu não tinha muito assunto com ambos, justo eu que sou tão falante!

E foi exatamente a moça vinda da Espanha quem proporcionou a despedida dos meus dois primeiros hóspedes estrangeiros. Aconteceu de eu retornar uma tarde para minha casa e me deparar com o trio descendo a íngreme rua de minha casa, indo para algum lugar que não me lembro qual. Eu os cumprimentei, perguntei algo e segui para casa, onde, tão logo cheguei, fui molhar as plantas do jardim e, depois, me dirigi para a horta e molhei as plantas, aproveitando para entrar pelos fundos onde eu ainda tinha os meus dois cachorrinhos.

Ao chegar a esse espaço, que era ocupado pelos meus pequeninos cães, eu senti que o ambiente estava bem quente e a minha atenção foi despertada para a luz vermelha do meu forno elétrico. Fui em direção a ele, que ficava sobre uma pia antiga nesse espaço, e pude constatar que ele estava ligado e todo o entorno muito aquecido. A temperatura, que estava apontada pelo ponteiro do botão que gira para escolha da que deve ser usada, era de 300 graus. Isso mesmo! 300 graus. Desliguei imediatamente o forno elétrico, puxei também a tomada da parede e percebi o quanto eu estava nervosa.

Lógico que o meu nervosismo havia sido muito apaziguado 6 horas depois quando o trio retornou à casa, mais precisamente, às 23 horas e me encontrou à espera deles na sala. Não deixei que seguissem até os quartos. Abordei-os e tive uma conversa muito séria e complexa com todos, sendo que o rapaz assumiu – meio contrariado comigo – a responsabilidade sobre ter esquecido o forno elétrico ligado; porém, fiquei sabendo, posteriormente, pela amiga dele, que tinha sido a namorada dele, recém-chegada da Espanha, quem havia ligado o forno para esquentar tilápia – isso mesmo! Esquentar, apenas! – e o deixara ligado naquela temperatura de preparar leitão à pururuca! E o pior: isso havia sido por volta de treze horas. Eu havia chegado à casa às 17 horas!!

Resumindo minha primeira experiência como anfitriã em hospedagem de estrangeiros: o trio saiu de minha casa relativamente magoado comigo. Os estudantes estrangeiros que haviam se hospedado comigo se mudaram para perto da instituição onde faziam o mestrado e eu fui levá-los com todos os seus itens, desejando-lhes boa sorte.

Não parei por aí a minha experiência com a hospedagem de estrangeiros, apesar de ter ficado bastante traumatizada com a iminência de um incêndio, caso eu não houvesse passado pelo lugar onde tinha, à época, o meu forno elétrico. Como a minha casa continuou cadastrada na mesma instituição, tive a oportunidade, pouco tempo depois, de receber e conhecer a um indiano que, depois de ter permanecido por 2 anos em Belo Horizonte, ter tido a oportunidade de conhecer outras cidades pelo Brasil, passou a se denominar “indiano-mineiro”, do que muito me orgulho.

Os nossos contatos foram poucos e apenas no início do período em que esse hóspede, igual aos anteriores, também realizava o mestrado dele, pois algum tempo depois, eu me mudava para Santiago-Chile, onde fui ser leitora e acabei permanecendo naquela cidade por quase 3 anos. Com isso, meu hóspede retornou ao país de origem dele sem nós nos despedirmos. Porém, ele fez uma festa de despedida na minha casa e recebeu os amigos dele e do outro hóspede, este último, vindo poucos dias antes de minha ida para o exterior.

Esse quarto hóspede, cuja origem é da África Ocidental, permaneceu por quase 6 anos em minha casa. Fez todo o mestrado e começou o doutorado na sequência, tendo se mudado para uma residência onde – com as bênçãos de Deus – pôde mobiliar com muito primor e com tudo novinho em folha.

Não vou dizer aqui que a permanência dele por esse período longo em minha residência transcorreu sem problemas, porque isso seria uma inverdade. Acredito que quando estive fora possa ter sido o melhor período para ele, pois os rigores de minha administração doméstica não costumam agradar a gregos e a troianos!

Quando esse quarto hóspede se mudou, no dia 31 de dezembro de 2021, eu comecei um novo ano prometendo a mim mesma que não hospedaria mais ninguém em minha casa, pois acaba interferindo na rotina, na privacidade, nas atividades e nas despesas mensais. Mas como resistir ao pedido de um ex-aluno que se dirigiu a mim dizendo que queria que eu o tratasse como a um filho? E justo pra mim – que sequer fui mãe – ele veio dizer isso?!

Sem saber como reagir e o que dizer ali, naquela prosa, que eu imaginava que seria outra bem diferente daquela que se configurou como um pedido de hospedagem por tempo determinado (fiz questão de perguntar o prazo limite de permanência para o que estava sendo a mim solicitado), acabei aceitando o meu quinto hóspede, também vindo da África Ocidental.

Calado o tanto que considero temerário para quem busca ser exitoso em um exame de proficiência, introspectivo, quiçá imaturo, passa os dias trancado dentro do quarto do hóspede anterior e vindo também do continente africano.

Agora, eu passo os dias deslocada para os fundos da residência, pensando se estou agindo corretamente; se devo chamá-lo para as refeições ou não; se duas batidas à porta do quarto, sem obter resposta, são o suficiente para eu entender que ele dorme ou, então, não quer ser incomodado e silencia no interior do seu espaço privado. Com isso, tomo café sozinha, embora haja mais alguém na casa.

Enfim, fico novamente à deriva da situação e na possibilidade de agir erradamente, quando poderia acertar, caso eu soubesse melhor como lidar com os jovens. Mas a vida é feita de experiências, algumas resolvidas adequadamente, outras não. Desejo que esta atual hospedagem seja a minha melhor experiência no quesito hospedar bem. E, caso haja uma próxima e correlata situação, que eu possa acertar mais e errar menos.

MoBa NePe – Mar 2023