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(I)memorial acadêmico

A pesquisa é algo que nos envolve de tal forma que passamos a pensar como vários autores, mesmo que eles não se harmonizem entre si.

Quem convive mais de perto comigo sabe o quanto me estresso com prazos, leituras (sobretudo as que não consigo fazer), obrigações (ou tarefas) acadêmicas nesse período de meu retorno à academia.

E academia é no sentido do espaço do saber, do ensinar-aprender, pois é a universidade, a instituição de ensino em que muitos de nós ansiamos estar; eu, pelo menos, sempre desejei ingressar em uma. Achava o máximo. Sorte que continuo achando, apesar de mais de meio século já haver se passado…

Entretanto, mesmo gostando tanto de estudar, de integrar (como voluntária) o espaço acadêmico, tenho plena consciência de que o meu objeto de pesquisa (“memoriais descritivos acadêmicos”), jamais fará parte de minha realidade. E por quê? Simplesmente porque eles, os referidos memoriais, são previstos / exigidos para quem vai ingressar na carreira universitária (no processo seletivo do concurso) ou para quem, já integrante da carreira, queira alcançar uma progressão que o exija.

Daí que comecei a elucubrar e cheguei à conclusão: não haverá – de fato – a necessidade de minha parte, da escrita de um memorial, pois não participarei de nenhum concurso público e, igualmente, não virei a integrar uma carreira universitária.

Porém, simultaneamente, assaltou-me a mente a crítica de Teresa Cristina Rego quanto aos elementos limitantes (castrantes) na escrita dos memoriais descritivos acadêmicos, os quais são instrumentalizadores de avaliações de seus autores que, com isso, alimentam a fome de conhecimento do outro, emanada das bancas a que se submetem.

Foi quando me decidi a escrever uma forma de imemorial descritivo acadêmico. Lembrando que o prefixo, nesse caso, funciona como a negação do que seria “memorável”, passível de ser recordado. Como explicitam os armazenadores das memórias coletivas de várias gerações e carinhosamente conhecidos como “dicionários”, essa palavra diz respeito ao “que não existe, não se pode ou não se deve manter na memória; que não se consegue lembrar por ser extremamente antigo”. Pautando-me mais precisamente na parte que traz a negação do poder e do dever, vou registrar o meu.

Foi pensando exatamente em contestar a obrigação do certo é que é o bom, do elogiável é que determina mérito, de que os nossos erros devem ser ocultados e de que os nossos fracassos não são construtivos, é que me decidi por desnudar-me frente à vida acadêmica e, talvez, escandalizar àqueles que me colocam numa posição privilegiada de ser “a estudiosa”, de ser “a certinha”, porque nunca namorei na escola (justifico-me: ninguém nunca “me pediu em namoro”, como era praxe na época) e mil e outras coisas.

Canonicamente, começamos a rememorar os fatos da infância em direção à vida adulta. Infringirei também essa regra. Recentemente, fiz uma pós-graduação no nível de especialização. Aprendi pouco. Gerou pouco diferencial em minhas leituras e no que eu acredito. Tive o desprazer de conhecer uma professora autoritária que me fez sentir vergonha de ser sua congênere! Infelizmente, a opinião que formei não foi isolada; outros colegas do curso tiveram a mesma impressão negativa dessa pessoa que não dava voz ao outro e que também não respeitava o seu estudante, um igual em termos de ação profissional.

Antes disso, fui reprovada numa seleção para o doutorado na mesma instituição em que hoje me encontro. À época, creio que não havia me dedicado da forma como deveria à adequação do meu pré-projeto às linhas de pesquisa da instituição. Gerou-me aprendizado relativo, já que, na seleção mais recente, ouvi da banca, durante a entrevista, a informação de que a minha proposta estava mais coerente com outra instituição federal da qual eu sou egressa.

Há quase 20 anos, quando terminei o mestrado, fiz um pré-projeto que tinha pouca maturidade e, na mesma instituição em que eu terminara a pós, tentei o doutorado e, pouco proficiente em inglês, língua estrangeira que está bastante atrelada às leituras de várias áreas do conhecimento, não li o de que precisava e, por conseguinte, não fui aprovada na entrevista. Segui outros rumos em termos de estudo, mas bastante revoltada com a prevalência e, quiçá, prepotência de uma língua sobre as demais. Por quê? Eu posso conhecer 10 línguas não maternas, mas, se não sou proficiente em inglês, não valho nada academicamente? Ah! Valha-me Deus!

Enfim, dobrei-me às leituras técnicas de que precisei (e de que continuo precisando), em inglês, mas com a situação bastante acomodada pela tecnologia que, com as bênçãos dos desenvolvedores de tradutores automáticos, está melhor a cada dia. Faço os ajustes que considero necessários depois que traduzo por meio eletrônico e, finalmente, consulto aos universitários! Isso mesmo! Tenho sempre a sensatez de pedir aos meus colegas que são professores de inglês que verifiquem se tem muitos erros. De sorte que, nos últimos tempos, cada vez vêm menos comentários de erros.

Na graduação em Direito, tenho a consciência de que saí sem a confiança de que viria a me tornar uma “brilhante” advogada. A prova da OAB, eu só vim a fazer 11 anos depois de formada e, se passei, foi porque fiz os cursinhos preparatórios que nos asseguram um excelente direcionamento para exatamente aquilo que se espera de nós na prova. Ou seja, o mesmo que eu faço com os meus estudantes que se preparam para fazer exame de proficiência em português. E, claro, não posso deixar de lembrar que, quanto à prova aberta da OAB, 20% são destinados à escrita formal. Eu não sou tão ruim assim em termos de escrita e, com isso, desbanquei alguns dos companheiros que estavam dependendo – com graus diferenciados – da aprovação no exame e que entravam sem essa vantagem linguística, infelizmente.

Lembro-me vagamente de ter tido a sorte de estudar a peça específica que caiu como principal: embargos de terceiros – valia mais que as demais perguntas abertas – no âmbito do Direito Penal (a minha escolha pelo menos foi condizente! A maioria migra para o Direito do Trabalho, área que sempre detestei, porque o professor, com sua carência de didática, jamais conseguiu me motivar para as suas aulas!). Hoje, se me perguntarem o que são os “embargos de terceiros”, como se compõem, qual a terminologia correta para as partes envolvidas, eu não faço a menor ideia! Teria reprovação contundente, mesmo escrevendo com o português mais escorreito que eu alcançasse.

Advogar, até que eu advoguei. Mas, felizmente, foi pouco e eu… de – tes – tei!! Acho que mesmo que eu chegasse a atuar no júri criminal, com sustentação oral, que é algo que me fascina, ainda assim o ambiente jurídico me daria voltas no estômago, pois há muitos tratamentos por títulos e não por honestidade; tratamentos por cargos e não por competência; e por aí vai. Sem contar que um atraso meu de 3 minutos em uma audiência em Curvelo – depois de ter enfrentado vários “Pare/Siga” de uma obra na rodovia – valeu-me uma descompostura de uma juíza e, claro, deixo registrado o meu agradecimento a ela: motivou-me a afastar-me de vez do âmbito jurídico, trazendo-me para as Letras, que foi/é onde posso dizer que me sinto à vontade, embora veja e registre — apenas na mente — situações tristes.

Foi-me reportado recentemente, por uma pessoa que conheci há pouco, que alguns estudantes desrespeitaram um professor dedicado a preparar esses discentes para um exame que será definidor na vida dos aprendizes. Esse desrespeito deles ao professor doeu-me e calou-me na alma e me colocou questionadora quanto à minha boa vontade no voluntariado que presto há anos. Vale realmente a pena ser voluntário em um sistema que se aproveita e se acomoda com pessoas iguais a mim e, com isso, deixa de abrir concursos, deixa de pagar salários justos àqueles que vivem de bolsas esmirradas e, além disso, ainda têm que passar por destrato de alunos?

Enfim, voltando à vaca fria dos estudos que não fazem ninguém brilhar – que são as repetências de disciplinas, que enfrentei por duas vezes no curso de Farmácia –, pois fui reprovada em Patologia e, também, em Química Farmacêutica. É um sabor de desgosto enorme ver o seu histórico com aquela letra distinta das demais: “E” que, nesse caso, não funciona como um conector, mas como algo disruptivo e que desagrega a gente por dentro. Eu poderia ter a desculpa de que estava estafada, pois trabalhava muito, cuidava da casa e de minha mãe, passara por um “descasamento”, mas eu não era a única pessoa a enfrentar problemas pessoais durante uma graduação. Eu era bastante jovem à época para ter uma capacidade cognitiva mais eficiente, diferente daquela que tenho hoje. Eu poderia culpar o sistema instituído que me fez ser sempre pobre, estudar em escolas públicas, não ter tido a possibilidade de estudar em uma escola particular com professores de altíssimo gabarito, mas sequer isso me defenderia de mim mesma, pois as escolas públicas que frequentei eram de excelente qualidade e vários colegas eram aprovados no vestibular da UFMG, um balizador de respeito para essa avaliação.

Retrocedendo um pouco mais. Repeti o terceiro ano primário. Mas não foi por vadiagem propriamente, mas por inadequação escolar, já que mudei de bairro e a escola em que ingressei retornou-me para a série da qual eu estava praticamente terminando o ano letivo. Enfim, não saberia dizer se houve ou não proveito quanto a essa alteração. Esta ação “imemorialística”, pouca importância terá e, de fato, não dependo destas fracas memórias para alcançar nenhum tipo de promoção acadêmica ou, então, para ser bem-aventurada no ingresso em uma universidade.

Afinal, entrar em uma universidade e sair dela é um direito meu e eu uso e abuso dele. E seguirei assim: irreverente, livre, sem amarras, sem as avaliações castradoras e silenciadoras. O que não pode ser dito é porque há censura. E sei bem o que é e, por isso mesmo, grito: ABAIXO A CENSURA!

Mônica Baêta – MoBa

28nov2021