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Meu (Nosso) pé de murta

Era novembro de 2002. Fui com a plantinha ainda pequetita e dentro do saquinho com perfurações, que permitiam a vazão da água, até a sala da diretoria, buscar uma autorização para plantar aquela simpática muda de murta na Faculdade onde eu estudava à época, e finalizava um ciclo.

Autorização dada, poucos minutos depois, o jardineiro, seguido de perto por mim, dirigiu-se para o pátio próximo ao auditório, pleno de luz e exposto às águas das chuvas e, no lugar apontado por mim, atrás de um banco de cimento com volteios em derredor do canteiro gramado e em ponto um pouco mais alto que o passadiço, ali cavou um fundo buraco, rasgou o saco plástico e levou o bloco com a mudinha de murta para o seu local de crescimento.

Afastei-me da instituição, pouco tempo depois, para seguir meus novos rumos profissionais que se descortinaram. Voltava ali vez ou outra para atividades precípuas de minha formação e especialização. Todavia, sempre muito focada nas tarefas em que estava envolvida, mesmo que olhasse na direção do “meu” pé de murta, eu não o observava, nem via nele a minha vida se desenvolvendo (também).

Recentemente, agora, em 2025, retornando àquela instituição, voltei meus olhos para aquela bela árvore em que se transformara a mudinha despretensiosa de 23 anos atrás. Agora ela se mostra imponente, com sua copa frondosa para uma planta de porte mediano, parecendo querer contar-me sua história ao longo desses anos em que ali vive e, também, se alimenta silenciosa e cotidianamente da vida dos passantes e dos “ficantes”.

E eu parei para observá-la!… Vi seu tronco robusto, com diâmetro de mais de 20 centímetros que, a partir de uns 30 centímetros de altura inicia uma divisão quíntupla e, desses 5 galhos igualmente robustos, sobem outros com seus desdobramentos e, em torno de uns 2,5 metros do piso, abre bonita e arredondada copa, sinal de podas regulares e bem feitas, símbolo do respeito por sua presença em jardim bem cuidado.

Reparando bem no meu (nosso) pé de murta, pude observar sob sua sombra, naquele dia, duas jovens assentadas, pés e pernas mais ou menos entrelaçadas e sobre o assento de cimento crespo do banco, diálogo baixo e semelhante a uma “DR”.

Em outro dia, vi sob a proteção da agradável sombra do (nosso) pé de murta, em torno de cinco colegas de graduação ou de pós-graduação dialogando sobre tarefas acadêmicas cotidianas, enquanto fumavam seus cigarros e falavam de outras coisas, talvez mais amenas, talvez menos importantes; não tive tempo para ali me deter e “assuntar” sobre o que conversavam. Tive vergonha de xeretar a conversa alheia assim, de forma acintosa, o que não se justificava pois, na verdade, eu observava àquilo que também o (nosso) pé de murta testemunhava ali naquele instante.

Nesses quase 23 anos, quantos testemunhos foram concretizados por esse adorável pé de murta? Quantas juras de amor? Quantos romances desfeitos? E o que dizer das desilusões acadêmicas? E as discussões profissionais entre os porteiros e a chefia imediata? Quiçá concorrentes à direção da escola também terão se assentado ali sob aquela sombra aprazível e discutido suas propostas antagonistas de forma a manter a boa direção da Faculdade conforme seus pontos de vista.

Alguém terá planejado depredar ou mutilar esse hoje imponente pé de murta, por julgar que suas folhas lhe importunavam justamente na altura das orelhas? Como se o murmúrio provocado pelo vento penetrasse no mais íntimo dos pensamentos beligerantes? Alguém terá lhe dado, meu querido pé de murta, um copo d’água, durante a pandemia, quando não houve nem uma gota de chuva para impedir que ficasse ressequido, sedento de companhia e de ouvintes de seu murmúrio solitário e de ausência de vozes murmurantes?

Agora, depois de mais de duas décadas, tendo levado você ainda jovenzinho para viver sua plenitude nesse espaço perfeito para o seu desenvolvimento, sinto como se eu o tivesse abandonado a uma adoção coletiva da qual agora faço parte e volto a amá-lo como ao tê-lo pequenino em minhas mãos antes de entregá-lo a quem tão bem cuidou e segue cuidando de você.

Bendita é a sua sombra! Benditas são as suas frutinhas vermelhas que alimentam pássaros alegres que ali vão ter especialmente para degustá-las! Bendito foi o dia em que você foi plantado nesse jardim, tornando-se um marco da minha vida acadêmica.

Agora, você é, de fato, nosso querido pé de murta! Não é exclusivamente meu; é de todos nós que podemos estar em sua companhia e sob sua proteção fresca e confiável. Vida longa ao grande pé de murta!

MoBa NePe Zinid – 08 jun. 2025